Vol. 14 Núm. 27 (2023): POR UMA (RE) FORMAÇÃO DA HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA
Em 1979, foi publicado pela coleção Brasiliana, da Companhia Editora Nacional, uma “interpretação antropológica” sobre os escravos no Brasil, a partir de anúncios em jornais brasileiros do século XIX. O estudo de Gilberto Freyre inaugura um olhar para o aspecto mercadológico e cotidiano do escravo por meio da imprensa. Anunciado no meio da diversidade das páginas de anúncios dos jornais, a vida do homem preto é posta em jogo não apenas como um objeto, mas como um animal. Em 1871, uma nota, no jornal Publicador Maranhense, sobre a publicação do Cantos à Beira-mar sinalizava para o apagamento de sua autora, devido ao seu sexo e a sua cor. Estudos e notas como essa têm evidenciado como é necessário realizar constantes revisões naquilo que foi canonizado como bem cultural nacional. Cada vez mais urge aceitar que a produção literária e sua leitura não está dissociada de outras questões de ordem moral, política e econômica. O estudo das práticas sociais e culturais, dessa forma, amplia o conjunto literário, ao passo que o particulariza, tendo em vista, que não se admite mais, categoricamente, a concepção de uma Literatura Nacional, essa expressa nos Manuais de História da Literatura, pelo menos até meados do século XIX, como patrimônio de Portugal e do Brasil. Igualmente, os estudos da historiografia brasileira já demonstram que exclusões foram aplicadas compulsoriamente em relação aquilo e/ou aquele que deveria representar a Literatura. Portanto, discutir a Literatura Brasileira a partir da tradição ao contemporâneo, à primeira vista, pode parecer um tanto abrangente quando propomos pensar o Brasil. Todavia, quando observados os limites teóricos propostos por Antonio Candido (2006), nos quais a Literatura Brasileira teria suas origens a partir de meados do século XVIII e a firmação no XIX, o escopo de análise daquilo que se chama Nacional diminui consideravelmente. A História da Literatura vista por essa perspectiva considera aspectos históricos, culturais e estéticos para erigir a memória literária do Brasil. Debater a produção contemporânea é, igualmente, compreender o lugar dos seres humanos na sociedade atual e situá-los em discussões, revisões e reflexões que dialogam com uma tradição edificada em bases solidificadas historicamente desde o final do século XIX e início do XX. Karl Erik Schøllhammer (2009), por sua vez, apresenta concepções estéticas das produções literárias contemporâneas e as relações com a tradição da literatura brasileira. Nesse sentido, este dossiê acolhe estudos que se debrucem a revisar, discutir e revisitar aspectos da tradição literária brasileira do século XIX ao XXI, tais como: qual o lugar que ocupa o Brasil na produção literária global, seja a atual, seja a de séculos anteriores, bem como as representações sociais, políticas, econômicas e culturais no Brasil contemporâneo.