A ordem multifamiliar como vetor determinista para a cultura do privilégio e as relações de poder no Brasil

Autores/as

DOI:

https://doi.org/10.18764/2595-9549v8n18e27337

Palabras clave:

Familismo, Patrimonialismo, Oligarquias, Nepotismo, Privilégios

Resumen

Reproduzindo à exaustão e com maior intensidade a prática histórica herdada da tradição ibérica, o longo processo de formação da sociedade brasileira incorporou a seus elementos constitutivos a ordem familiar como fator distintivo nas relações sociais e políticas do país, que foi se estabelecendo como padrão e regra não formal, modelada pelos interesses da Coroa portuguesa e de seus muitos beneficiários. Profundamente arraigada na sociedade ibérica, particularmente em sua porção lusitana, a cultura do privilégio era concebida como uma espécie de identidade de classe, restrita à nobreza e suas derivações (fidalgos de todas as espécies), de tal forma que os contemplados segregavam os não aceitos, que, a propósito, representavam a imensa maioria da população portuguesa. O “pacote de privilégios” dedicado aos eleitos do reino era extensivo à família, assumindo trajetórias de aplicação em todas as direções (ascendentes, descendentes, laterais) e desdobramentos (alcançando os mais diversos vínculos de afinidade, até mesmo agregados), bem como se constituindo em patrimônio de transferência para herdeiros e apadrinhados, consagrando a ordem familiar como a célula estrutural da vida em sociedade, não por uma determinação de valores cultivados na dimensão ético-formativa, mas puramente com o propósito de assegurar o respectivo quinhão de regalias e benefícios públicos, para fruição na esfera privada e de forma hereditária. Habitando de forma permanente o território lusitano d’além mar e bradando duvidosa proximidade de El-Rei, os prepostos do colonizador, distantes dos olhos da realeza e ávidos por se cobrirem das bajulações próprias do universo que gravitava no entorno da monarquia, não se contiveram em importar e implantar nestas terras a cultura do privilégio, reservada a distintos grupos e famílias que se instalaram ou se desenvolveram naquele cenário, distante de mecanismos de controle efetivo e de qualquer referência a padrões avançados de civilidade. Predominante na Colônia, ativo no Império e sufocante na República, a cultura do privilégio como um fim em si mesma assumiu ares de unanimidade e objeto de desejo, deitando raízes de tal forma e abrangência que se consagraria como uma verdadeira instituição nacional, espelho de distorções, desvios e degenerações diversas. Gozando do beneplácito da solidariedade acumpliciada de pares e parceiros de classe, resistiria à modernidade e à institucionalidade flexível, e seria mantida no país como uma reserva de privilégios destinados a poucos e integrantes de famílias que se perpetuariam nos mais diversos segmentos da vida social — na política, no Judiciário, nas carreiras de Estado, nas Forças Armadas, nas representações diplomáticas, no meio acadêmico, enfim, expandindo-se de forma difusa, mas sem comprometer a restrição do critério oligárquico-familial.

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Biografía del autor/a

Edivaldo Ramos de Oliveira, Universidade Federal do Paraná

Economista, especialista em Gestão Pública Municipal (Unifesp), mestre em Estado, Governo e Políticas Públicas (Flacso) e doutorando em Sociologia (UFPR). Pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - SP) e do Observatório das Metrópolis (INCT – Núcleo Curitiba), membro do NEP- Núcleo de Estudos Paranaense e de outros Grupos de Pesquisa.

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Publicado

2025-08-09

Cómo citar

OLIVEIRA, Edivaldo Ramos de.
A ordem multifamiliar como vetor determinista para a cultura do privilégio e as relações de poder no Brasil
. Infinitum: Revista Multidisciplinar , v. 8, p. 1–32, 9 ago. 2025 Disponível em: https://cajapio.ufma.br/index.php/infinitum/article/view/27337. Acesso em: 16 ago. 2025.